quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Uma Ameaça ao Teatro Amador Em Sorocaba

O cancelamento da sexta edição do Festival Livre de Teatro de Sorocaba (Flits), que teria início no domingo passado, dia 29 de agosto, tem mobilizado a classe artística, que ficou indignada com o fato de não ser mais permitido fazer teatro amador na cidade, por uma exigência do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado de São Paulo (Sated). Sorocaba, como se sabe, tem uma tradição na área do teatro amador, com grandes nomes que optaram por não se profissionalizar, como Pedro Salomão José e Carlos Roberto Mantovani. Com sede agora em Sorocaba, a entidade, baseada na Lei Nº 6.533/78 e no Decreto Nº. 82.385/78, que tratam da regulamentação do exercício da profissão de ator, exigiu que os grupos participantes do evento comprovassem o registro de seus atores e técnicos no Ministério do Trabalho (DRT), ou obtivessem autorização para poder encenar as montagens.

De seu lado, os atores indignaram-se com essa posição do sindicato. Conforme eles, a liberdade de expressão está garantida pela Constituição e ninguém deveria ser obrigado a se profissionalizar. Na internet, diversos atores e diretores de teatro têm participado de uma lista de discussão sobre o assunto, inclusive com apoio dos artistas plásticos de Sorocaba. Conforme reportagem publicada pelo Mais Cruzeiro no sábado, o Sated enviou mensagem à Associação Teatral de Sorocaba (ATS), organizadora do festival, destacando que o não cumprimento das providências poderia caracterizar crime de exercício ilegal da profissão e falsidade ideológica e, ainda, gerar responsabilidade ao poder público. O Secretário da Cultura, Anderson Santos, submeteu o imbróglio ao departamento jurídico da Prefeitura, que recomendou a suspensão do festival até que tudo ficasse esclarecido.

Em uma carta de repúdio, os artistas sorocabanos deixam clara sua posição: “Subscrevemo-nos para expor nosso repúdio à forma como a entidade - Sated - criada para nos representar se apresenta de forma tão autoritária, intolerante e anti-democrática. Queremos nos reservar o direito em sermos amadores ou profissionais, optarmos pela profissionalização, a partir do momento que isso nos beneficie e não o contrário. [...] Em resumo, queremos deixar claro que não nos sentimos representados pelo Sated, e estamos no aguardo de uma reunião produtiva que inverta essa situação. Responsabilizamos o Sated pelo prejuízo e falta de informação, caracterizando uma irresponsabilidade que acarretou no cancelamento do VI Flits”.

Conforme Nanaia de Simas, presidente da ATS, entidade organizadora do festival, no momento tudo está em aberto. A ideia é marcar uma reunião com o secretário de Cultura para discutir o assunto. “O festival é uma parceria com a prefeitura, vamos decidir junto com esse parceiro o que iremos fazer. O festival tem um caráter amador, foi falado que não haveria contratação, que o valor que a Prefeitura iria repassar é uma ajuda de custo para transporte, que envolve aluguel de caminhão, alimentação de uma equipe inteira... O que causou estranheza é que essa lei é de 1978, e desde essa época já tivemos depois da lei o Projeto Ícaro de Teatro, o Festival Tropeiro e o próprio Flits, e nunca houve impedimento para esses festivais em Sorocaba”.

Fernando Lomardo, que veio do Rio de Janeiro para Sorocaba já que iria ser um dos jurados do evento, afirma que está indignado e irá acionar o Sindicato na justiça. “Farei isso como cidadão, como um dos fundadores da ATS e como alguém que atuou durante 25 anos no teatro amador de Sorocaba. A Lei Nº 6.533/78 onde o Sated supostamente se embasa não se refere à atuação do amador, ela é específica em classificar o artista profissional. Um sindicato regula a relação patronal entre patrão e empregado, portanto não é uma relação que exista no teatro amador, que no Brasil e principalmente em Sorocaba é histórico. A impressão inevitável é que a atuação do Sated na cidade tem interesse comercial em vender DRTs. A argumentação do Sated é frágil”, afirma.

Sated: culpa é da Prefeitura

Para a presidente do Sated-SP, Ligia de Paula Souza, o único culpado da história é a Prefeitura. Ela diz que o cancelamento do festival foi “uma surpresa”. “Foi um desrespeito. Senti um desgosto, uma dor muito grande, o que nós artistas mais queremos é estar no palco. O que houve foi ausência de diálogo. O que tenho a dizer é que existe uma lei e ninguém está acima da lei. O teatro é uma profissão regulamentada, se o ator não tiver o registro profissional está fazendo uma contravenção. Faltou esse olhar por parte da Prefeitura, desde o começo do ano estávamos instruindo...”.

Ligia não vê diferenças entre teatro amador e profissional. “Não existe teatro isso ou aquilo. Temos de adequar à lei. Mas toda regra tem exceção, essa exceção deveria ter sido discutida e isso faltou. Poderíamos ter dado a autorização através de uma assembleia. Faltou, por parte da Prefeitura, orientar realmente as pessoas, conversar com o sindicato e propor um acordo. Houve sim um grave prejuízo do qual a prefeitura é a única responsável pois o edital publicado por ela estava falho, sem as devidas exigências. O Sated está sendo um bode expiatório”. A presidente do Sated-SP diz que está aberta a conversas e deixa seus contatos para esclarecimentos. O email é presidencia@satedsp.org.br e o telefone é (11) 3335-6131.

Em carta enviada ao Sated-SP no sábado, dia 28 de agosto, o representante da entidade em Sorocaba, Mário Pérsico, afirma que o Sated-SP deveria repensar suas posições. “Acredito no sindicato e na força e poder político que ele tem em prol da classe por ele representada. E também defendo a regularização da profissão, pois só vejo vantagens e benefícios nela. [...] Mas também acredito nas soluções negociadas. [...] Acredito que talvez isso possa servir para o próprio Sated como auto-crítica afim de rever alguns procedimentos operacionais mais rígidos e até que ponto eles trazem benefícios ou prejuízo à própria imagem do Sindicato”.

Nanaia de Simas enviou também email a pedido do ator e produtor Ibraim Ramos informando que o mesmo esteve em sua residência no domingo, dia 29, para comunicar a sua saída do Sated. Ibraim participa em duas peças que se apresentariam no VI Flits. Em entrevista ao jornal, Ibraim disse que saiu do Sated porque não se sentiu confortável com a situação. “Apesar de ser ator, fui contratado para fazer um trabalho profissional na área do marketing, a empresa foi correta comigo, o motivo que saí foi o escândalo. Pra mim essa discussão toda é besteira. A minha opinião é que eu não quero nem saber”. Até as 12h40 de terça-feira (31), a informação sobre a saída de Ibraim não tinha chegado até a presidente do Sated/SP.(Daniela Jacinto - Jornal Cruzeiro Do Sul)

Nenhum comentário: