quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A biografia proibida de Roberto Carlos

Foto: Divulgação

Caro Roberto Carlos, como vai você?

Imagino que provavelmente você nunca lerá esta carta – mas quantas cartas, apesar de nunca lidas, são escritas mesmo assim? Um Rei habitualmente é inacessível. O importante é que sua obra está ao alcance de todos e a possibilidade de ouvir as suas canções é uma maneira poética de entrar em contato com você. O artista e a obra formam um só conjunto e em você esta relação é perfeita.

No entanto, os “detalhes” da sua vida (inspiração num dos seus maiores sucessos) não são revelados pelas canções. A biografia não-autorizada “Roberto Carlos em Detalhes” (Editora Planeta, 2006, 502 páginas), de Paulo César de Araújo, cumpre esse papel. Acabo de ler o livro e as impressões são as melhores. O talento de Paulo César de Araújo produziu uma biografia maiúscula. Escritor da nova geração, ele pode ser comparado (e às vezes supera) veteranos do gênero como Fernando Morais e Ruy Castro. Tudo muito bom, se não fosse por um detalhe: você proibiu o livro.

A censura ocorreu logo após o lançamento da obra, em 2006, e isto me deixou muito intrigado. Dizer qualquer coisa antes de ler a biografia seria um despropósito. A história do Brasil nas últimas décadas me deixou traumatizado com qualquer tipo de censura a um produto de dimensão cultural. A censura mutilou o Brasil e muito do que o País é hoje ou deixa de ser tem raízes nesse tipo de medida. Por tudo isso, o seu comportamento diante do livro me deixou perplexo. Digo, decepcionado. Eu precisei ler a biografia para entender o motivo de uma decisão tão drástica. E, confesso, continuo sem entender nada.

Descontadas as qualidades do livro (muito bem escrito, resultado de 15 anos de pesquisa e quase 200 entrevistas), não há em todo o texto nada que o desabone como homem, artista e Rei da música popular brasileira. Ao contrário, o livro mostra que você foi o maior dos artistas (inspiração em outra de suas canções) para uma legião de milhões de fãs, no Brasil e no exterior. E conta as histórias de como você ajudou muita gente (compositores, outros cantores, amigos, músicos) e de como você teve a coragem de seguir um caminho traçado pelo talento, independentemente das críticas.

O livro, uma homenagem ao artista Roberto Carlos. mostra que nada foi fácil na sua vida. Na infância, um acidente o marcou para sempre. A confiança no destino o levou a sair de Cachoeiro do Itapemirim para tentar o sucesso no Rio de Janeiro numa época em que tudo era mais difícil. E você precisou abrir caminhos, superar obstáculos, vencer desafios pelas suas qualidades de cantor e compositor até se transformar no cantor mais popular do Brasil. E, caso raro, é o maior sucesso da música até hoje.

O destino foi generoso com você, mas também lhe reservou espinhos: desencontros amorosos, um filho com problemas sérios de visão, a morte precoce da esposa Maria Rita – um amor sem limite, como você definiu numa das suas mais lindas canções. Foram, realmente, muitas “Emoções” (outro clássico do seu repertório). E você compartilhou todas essas históricas com os brasileiros. Com a sua música, você construiu uma espécie de geração Roberto Carlos que embalou muitas histórias de amor e fez muita gente feliz.

Em 1971, a canção “Amada Amante”, outros dos seus grandes sucessos, foi proibida pela censura num primeiro momento, segundo relata o livro de Paulo César de Araújo. O autor transcreve um protesto contra a censura na voz do seu maior amigo e parceiro de tantas canções, o tremendão Erasmo Carlos, que diz: “Esse é um troço que deixa a gente triste, sem entender. A gente imagina uma coisa, trabalha em cima, sua para concluir a música e aí vêm os caras e metem a tesoura, censuram, proíbem, desrespeitam o seu trabalho. Não deveria existir censura nenhuma.”

O que disse Erasmo Carlos em 1971 poderia ser dito também agora sobre a censura que você impôs ao livro de Paulo César de Araújo. E pensar que você chegou ao cúmulo de censurar a sua própria obra. Segundo o livro, na sua fase de grande religiosidade, você rejeitou a canção “Quero que vá tudo pro inferno” e também não deixou ninguém mais regravá-la. “É talvez um caso único na história da música pop. Qual outro artista descarta do seu repertório uma canção com tal referencial”, pergunta Paulo César de Araújo.

Tudo isso está lá, no livro que você proibiu. Uma proibição que, para os fãs, acaba sendo inútil. Porque, de uma forma ou de outra, quem é seu fã (e eu sou um deles) acaba lendo a obra. Está aí a internet, oferecendo meios de acesso ao livro, para não me deixar mentir.

Proibindo o livro, você está censurando os seus fãs. Eles te amam e merecem conhecer os “detalhes” da sua vida contidos na biografia. A censura é o outro lado da arte: o lado obscuro, triste, medonho. Como artista genial que você é, generoso, talento sem comparação, por favor, não faça jogo duplo. Não deixe que o rótulo de “censor” seja acrescentado a uma história de vida tão bonita. Rever posições equivocadas é humano, é atitude digna de “amigo de fé” e de “irmão camarada”. Volte atrás e permita a liberação do livro. Certamente nenhum fã irá censurá-lo por isso. Ao contrário, eles agradecerão muito.

E então, Roberto Carlos, como vai você? (Carlos Araújo - Cruzeiro on-line)

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