Abordar agora a questão do livre arbítrio ou livre escolha seria uma fuga aos temas candentes que o período pré-eleitoral sugere? Estou fazendo-o para tentar responder a pergunta de um leitor de Piracicaba, SP. A problemática da liberdade preocupa o homem desde quando ele pôde pensar o tempo que passou, a realidade do presente e o enigma do futuro. Livros e mais livros se amontoam sobre o assunto.
Livre arbítrio, na cabeça de Santo Agostinho, repetindo autores clássicos, seria fazer tudo o que der na telha. O que ele chamava de liberdade seria a possibilidade de fazer o exequível, pois a autoridade e as conveniências podem limitar alguma realização de nossa vontade. Não posso dirigir a 200 quilômetros por hora fora de pistas de corrida e nem perturbar o sono de meu vizinho com música eletrônica.
Os debates e embates sobre liberdade e livre arbítrio quase sempre estiveram envolvidos com as ideias sobre a essência de Deus, sua bondade, onisciência e onipotência. Por que Deus, bom, poderoso e que conhece o passado e o presente, permitiu o nascimento de Judas que traiu o Nazareno, causando-lhe a morte em uma cruz? Multiplicam-se as respostas, de acordo com as preferências sobre a aceitação do conceito da divindade. Uns apelam para o determinismo – tudo está escrito nas estrelas, maktub – e outros apontam para a liberdade de escolha, submetendo-se a penalidades aqueles que optam pelo caminho do malfeito, para empregar uma palavra corrente.
Em muitos ambientes modernos, não é esse o enfoque atual do livre arbítrio. De acordo com o existencialismo do filósofo Jean-Paul Sartre, que exclui a crença em Deus, a questão da responsabilidade é prerrogativa do ser humano. Nessa condição, nós estamos condenados à liberdade, ao mesmo tempo fonte de glória e de sofrimento.
Em outra concepção moderna afirma-se que grande parte das opções do ser humano seria determinada por processos oriundos do inconsciente, esse subterrâneo da mente de que fala Freud. Contudo, em nenhum momento, houve uma adesão sua a um determinismo absoluto. A função da psicanálise, dizia ele em 1893, é “transformar a miséria neurótica em infelicidade banal”. Essa possibilidade de provocar mudança supõe liberdade de decisão. E o processo civilizatório, segundo a psicanálise, conta com o auxílio da repressão, contida nas normas e leis que um indivíduo vai obedecer ao escolher entre o adequado e o inadequado em busca de um tolerável convívio social.
O tema é amplo e, se houver demanda dos leitores, pode-se a ele voltar, abordando aspectos específicos desse problema que desafia a reflexão filosófica.
(Luiz Viegas de Carvalho é psicanalista)
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