A aprovação do trem da alegria foi uma demonstração de política da pior qualidade, ainda mais repugnante porque praticada sem transparência ou debate
A afirmação atribuída por historiadores ao primeiro-ministro alemão Otto von Bismarck (1815-1898), de que o povo dormiria mais tranquilo se não soubesse como são feitas as leis e as salsichas, explica por que os brasileiros conscientes perdem o sono e, obviamente, não é por causa do produto das salsicharias, que evoluiu e ganhou a confiança da sociedade, mas pelas práticas anti-higiênicas das quais as casas legislativas não conseguem ou não querem se libertar.
Anti-higiênico é uma metáfora elegante para definir um comportamento que repugna ao povo, ainda mais que salsicha estragada. Os brasileiros têm motivos de sobra para não digerir a política baixa praticada nos parlamentos, sejam eles o Congresso Nacional onde supostamente deveriam estar os cidadãos mais probos, conscientes e preparados da nação , as assembleias estaduais ou as câmaras de vereadores, arremedos em escala reduzida do Congresso, também nos vícios e interesses vis.
Elementos indigestos dessa política foram demonstrados cabalmente no âmbito mais elevado do Legislativo (no sentido de poder, e não de moral) neste começo de ano, com a luta cruenta pela “posse” das mesas da Câmara e do Senado, vencida afinal pelo PMDB naquilo que, para a maior parte dos observadores, cheirou a retrocesso. Mas também as câmaras municipais deram sua contribuição para a azia dos brasileiros, com políticos comprometidos mais com seus próprios interesses do que com a população à qual deveriam representar.
Sorocaba não escapou a esse triste espetáculo, com as sessões extraordinárias em que os vereadores, insensíveis ao clamor popular, esqueceram momentaneamente o discurso da ética e da austeridade para criar 26 cargos políticos, a serem preenchidos sem a necessidade de comprovar o mérito e a competência em concurso de provas e títulos, mas apenas segundo a conveniência de cada vereador. A aprovação do trem da alegria foi uma demonstração de política da pior qualidade, ainda mais repugnante porque praticada sem transparência ou debate.
Num contexto como esse, a comentada entrevista do senador e ex-governador pernambucano Jarbas Vasconcelos (PMDB) à revista “Veja” do último final de semana soa mais como uma confirmação dura de engolir, porém sem uma única surpresa daquilo que o povo já sabe de longa data, a respeito da voracidade daquele partido, mas não só dele, por cargos públicos e favorecimentos, a única pauta efetiva e em torno da qual o Congresso consegue sempre um nauseante consenso.
A novidade é que as informações desta vez, são oferecidas por um integrante do Parlamento, como ocorreu quatro anos atrás quando o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB), percebendo-se encurralado por denúncias, abriu sua metralhadora giratória contra o governo Lula e os colegas, detonando o escândalo do “mensalão”. É impossível prever agora, as consequências das palavras duras atiradas pelo senador Vasconcelos a seu próprio partido e a companheiros de legenda e de Casa, como José Sarney e Renan Calheiros. Se o caso cairá no esquecimento, como parecem desejar o governo e o PMDB, é coisa que só o tempo e a oposição, com seu telhado de vidro e sua falta de articulação, poderão dizer.
Mas antes de simplesmente reclamar, os brasileiros devem saber que são eles, por seu voto, que mantêm todos esses políticos em atividade. Se houvesse mais participação cívica e consciência na hora de votar e um pouco mais de boa vontade para buscar um mínimo de informação sobre política, partidos e candidatos, os corruptos seriam excluídos da vida pública. A renovação das casas legislativas, não só pela troca dos nomes, mas pela busca de candidatos que segue rigorosamente os deveres da justiça e da moral e competentes, depende da boa vontade de cada cidadão. Enquanto não haja esse salto qualitativo do eleitorado, seremos todos obrigados a engolir o sanduíche gosmento que aí está.